O mercado imobiliário brasileiro é dinâmico e cada vez mais competitivo. Nesse cenário, a forma como as imobiliárias contratam seus corretores pode representar tanto uma vantagem estratégica quanto um risco jurídico. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, determinando a suspensão nacional das ações que discutem a pejotização, trouxe novamente o tema ao centro das discussões. Mais do que nunca, é essencial que as imobiliárias compreendam não apenas as opções legais de contratação, mas também os cuidados necessários na gestão desses vínculos.
Pejotização vs. Terceirização
A pejotização ocorre quando há uma tentativa de fraudar uma relação de emprego por meio da constituição de uma PJ. Mesmo com um contrato formal bem elaborado, o Judiciário pode reconhecer o vínculo empregatício se verificar que a realidade da relação demonstra, especialmente, subordinação jurídica.
Vale então abrir um espaço para tratar sobre o conceito de subordinação jurídica, um dos elementos centrais da relação de emprego. Ela ocorre quando o trabalhador, ainda que sob a forma de PJ, passa a receber ordens, instruções e diretrizes contínuas da empresa contratante, submetendo-se a seu poder diretivo. Isso fica evidenciado quando a imobiliária define horários rígidos, impõe metas, determina formas de atendimento e cobra justificativas ou relatórios sistemáticos, restringindo a autonomia do corretor.
Na prática, mesmo sem vínculo formal, a presença desse tipo de controle pode configurar uma relação de emprego, especialmente em casos em que há contradição entre a teoria (contrato) e a realidade (dia a dia).
A terceirização, por sua vez, é válida e regulamentada, inclusive para atividades-fim da empresa. No entanto, indica haver uma empresa prestadora de serviços com estrutura própria e autonomia na execução de suas funções. A contratação de várias PJs, com exclusividade, controle de horário e metas comerciais, afasta-se desse modelo e se aproxima da pejotização.
A decisão do STF e a suspensão dos processos sobre pejotização
Neste mês de abril, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou a suspensão de todos os processos que discutem a legalidade da pejotização. A medida foi motivada pela necessidade de uniformização da jurisprudência e de se evitar decisões contraditórias capazes de gerar insegurança jurídica às empresas. Isso não significa que a pejotização foi legalizada ou está autorizada — apenas que o julgamento desses casos está temporariamente suspenso até que o STF estabeleça um entendimento que direcionará os demais julgamentos, caso a caso.
No julgamento do ARE 1.532.603, foi reconhecida a repercussão geral do Tema 1.389, que trata da (i) legalidade da pejotização, da (ii) competência da Justiça do Trabalho e, especialmente, (iii) do ônus da prova nesses casos.
A menção expressa ao ônus da prova revela uma preocupação do STF com o desequilíbrio frequente entre contratos e práticas. Isso reforça a importância de as imobiliárias cuidarem não apenas da formalização contratual bem-feita, mas também da forma como a relação se desenrola no dia a dia. Em um eventual litígio, os elementos probatórios (e-mails, mensagens de aplicativos, rotinas e relatos de testemunhas) podem prevalecer sobre o que está escrito no contrato.
Formas de contratação de corretores
A Lei nº 6.530/78 prevê duas formas principais de atuação dos corretores de imóveis:
- Corretor Autônomo: Trabalha de forma independente, firmando contrato de prestação de serviços com a imobiliária. Não há subordinação, controle de jornada ou pessoalidade.
- Corretor Associado: Também atua de forma autônoma, porém com contrato de associação firmado nos termos da legislação, permitindo o uso da estrutura da imobiliária, sem gerar vínculo empregatício.
Paralelamente, muitas imobiliárias firmam contratos com empresas constituídas pelos próprios corretores (modelo PJ). Essa prática, apesar de difundida, exige atenção. Quando o contrato simula autonomia, mas a realidade revela uma relação típica de emprego (com subordinação), pode-se caracterizar a pejotização, considerada fraude trabalhista.
Impactos práticos para as imobiliárias
Esse contexto exige que as imobiliárias façam uma revisão aprofundada de suas práticas contratuais e da gestão dos corretores parceiros. Não basta um contrato bem redigido – que é sim fundamental: a gestão da relação no dia a dia é o que mais pesa em uma eventual análise judicial. Aspectos como controle de horário, exclusividade, padronização rígida de rotinas e ausência de liberdade na condução das negociações podem levar ao reconhecimento do vínculo empregatício.
Além disso, é importante que a imobiliária defina modelos distintos de contratação conforme o perfil da função e o que se espera do profissional. Um coordenador de atendimento ao cliente, por exemplo, que precisa cumprir jornadas fixas, seguir protocolos rígidos e reportar diretamente a superiores, tende a se encaixar em um vínculo típico de emprego. Já um corretor com carteira própria de clientes, autonomia para negociar condições e agenda flexível pode atuar de forma legítima como associado ou prestador PJ.
Importância dos contratos bem elaborados
Embora a existência de um contrato, por melhor que seja, não signifique blindar uma imobiliária contra o reconhecimento de vínculo empregatício, sua ausência certamente agrava o risco. Um contrato bem elaborado é peça essencial na construção da segurança jurídica. Como bem exemplifica um colega advogado trabalhista: ter ou não ter um contrato de prestação de serviços é como ir à guerra com ou sem escudo. É fundamental ir com o escudo. Ele não garante que você sairá ileso, mas aumenta significativamente suas chances. No mesmo sentido, o contrato serve como ponto de partida para demonstrar a intenção das partes, delimitar obrigações e, principalmente, estabelecer parâmetros de autonomia e ausência de subordinação. Sem ele, qualquer linha de defesa fica vulnerável.
Gestão contratual e de parcerias: o detalhe faz diferença
Recentemente, em uma consultoria prestada a uma imobiliária, citei que um dos maiores riscos está na contradição entre o contrato e a realidade. Durante a consultoria, exemplifiquei com um julgado em que o desembargador considerou mensagens trocadas entre o corretor e o gestor como determinantes para reconhecer a autonomia do prestador.
Em uma dessas mensagens, o corretor escreveu: “preciso que cancelem as visitas da manhã, tenho compromissos pessoais e não estarei disponível”. Esse simples registro, aparentemente informal, foi interpretado como prova clara de que havia liberdade real na gestão da agenda, reforçando a ausência de subordinação.
Portanto, a chave está em alinhar o modelo contratual à realidade da prestação de serviços e manter coerência entre o que está escrito e o que acontece na prática, ainda que isso seja um desafio. Algumas práticas podem ser sugeridas:
- Garantir liberdade real de atuação ao corretor PJ;
- Evitar linguagem de comando nas comunicações internas;
- Manter evidências da autonomia do prestador, como liberdade na definição de horários e atendimentos;
- Estruturar com clareza as regras de comissionamento;
- Registrar contratos de associação quando aplicável.
Recomendações estratégicas para imobiliárias
- Faça um diagnóstico interno dos modelos atuais de contratação e gestão;
- Conte com assessoria jurídica especializada para revisar contratos e procedimentos;
- Crie políticas claras de contratação por função (perfil do cargo x modelo legal mais adequado);
- Promova treinamentos aos gestores sobre os limites na relação com autônomos e PJs;
- Valorize a transparência e a consistência na gestão da relação profissional.
Conclusão
A suspensão das ações sobre pejotização é um convite à revisão estrutural das imobiliárias, especialmente aquelas em franco crescimento. Contratar corretamente é o primeiro passo, mas gerir com coerência é o que de fato protegerá a empresa. A decisão do STF deve ser aproveitada como oportunidade para transformar as relações profissionais do setor, dando mais clareza e profissionalismo. Na guerra, não deixe de usar escudo.