Bypass imobiliário é um tipo de fraude comum no meio da corretagem, que ocorre principalmente quando o proprietário do imóvel e o comprador usam os serviços da imobiliária ou do corretor, mas fecham o negócio “por fora” para driblar o pagamento das comissões.
Tem crescido a quantidade de profissionais do imobiliário que buscam a Justiça para garantir o pagamento das comissões em casos como esse. Mas o que diz a lei, e como o corretor pode comprovar que foi lesado?
A prática do bypass (que em inglês quer dizer “desvio”) voltou a movimentar as redes sociais nos últimos dias. O gatilho foi o relato do corretor de imóveis Guilherme Nogueira, que também é influenciador do segmento imobiliário e diretor da BH Brokers, imobiliária de alto padrão com atuação em Belo Horizonte e Nova Lima (MG).
Corretora é “bypassada” e caso é exposto na internet
Segundo Nogueira, um cliente chegou no plantão querendo um apartamento em um prédio específico. A corretora responsável pelo atendimento foi ao local e prospectou as unidades disponíveis para atendê-lo.
“Ela conseguiu uma condição melhor e marcou uma visita para o sábado. Foi lá, visitou, e em seguida o cliente simplesmente bloqueou ela”, contou ele. Desconfiada, a corretora buscou a matrícula do imóvel, que pode ser acessada publicamente. “Existem inúmeras maneiras de descobrir quem vendeu e por qual valor, ainda mais quando se é corretor”, comentou o diretor.
A corretora descobriu que o interessado “bypassou” ela, comprando o imóvel com outra imobiliária. Neste caso, há ficha de visita e outros registros que garantem legalmente a comissão para a corretora que intermediou a primeira visita. Agora, proprietário e comprador estão sendo acionados na Justiça para responder solidariamente pelo pagamento de comissão da corretora, no valor de R$ 175 mil.
Para entender detalhes sobre a judicialização do bypass, o Imobi Report conversou com Arthur Thomazi, advogado e sócio do escritório de advocacia C2T ADV, de Belo Horizonte. O escritório atende dezenas de imobiliárias de Minas Gerais e outros Estados, e tem recebido corretores que passaram por esse tipo de fraude.
Os honorários de corretagem são devidos se o negócio for concretizado
A primeira polêmica que surge é sobre a própria concretização do negócio. A assinatura de uma promessa de compra e venda não admite desistência por qualquer das partes? Ou seria necessário que ocorra a lavratura da escritura pública de compra e venda?
“O Código Civil deixa muito claro que o arrependimento das partes não exclui o direito do corretor em receber o comissionamento. E há o entendimento de que a assinatura de uma promessa de compra e venda irrevogável e irretratável constitui o direito da imobiliária ou corretor em ser remunerado pelo trabalho”, explica Thomazi.
Porém, juízes têm entendimentos conflitantes Brasil afora. Quando o contrato de intermediação ou a autorização de venda não são adequados, claros ou possuem condicionantes, a situação do corretor fica vulnerável do ponto de vista jurídico.
“Por exemplo, se o corretor condiciona o recebimento da comissão ao pagamento do comprador. Se o comprador se tornar inadimplente, não é possível exigir do vendedor que ele pague os honorários de intermediação, uma vez que a condição não se implementou, ou pelo menos até que ela ocorra. Neste caso, o corretor fica de mãos atadas quanto ao recebimento da comissão”, explica o advogado.
Como comprovar efetiva participação na venda?
Os tribunais cada vez mais têm associado a função do corretor a algo que vai além de simplesmente “aproximar as partes”. Exige-se, em vias judiciais, que o corretor demonstre efetiva participação na concretização do negócio.
“Isso pode ser materializado na obtenção prévia dos documentos do imóvel. Como por exemplo, ter em mãos os comprovantes das visitas dos potenciais compradores, ter autorização de venda ou contrato de intermediação, ter registro do envio das propostas e contrapropostas e a obtenção das certidões dos vendedores. Isso demonstra assessoria no que tange à segurança dos negócios”, orienta Thomazi.
Em todas as ações do escritório envolvendo essa matéria, o advogado afirma que a questão probatória e documental é o que define o sucesso do corretor na pretensão de receber os honorários de corretagem.
E aqui figura um problema grave: as imobiliárias e os corretores nem sempre estão precavidos. Muitos sequer preenchem adequadamente a autorização de venda e as fichas de visita, apesar da facilidade que a tecnologia trouxe para esse tipo de formalização. E essa atitude gera vulnerabilidade.
Imóveis em várias imobiliárias exigem cuidado redobrado
Imóveis sem exclusividade de venda exigem atenção especial por parte dos envolvidos na transação. Assim, é preciso manter um canal de comunicação registrável, tanto com os potenciais compradores como com os vendedores, demonstrando e materializando o trabalho do corretor, de modo a evitar casos de bypass.
“Vejo que existem imobiliárias que sequer emitem a matrícula atualizada do imóvel no decorrer da negociação e pretendem fazer jus ao comissionamento. A verdade é que mantendo o proprietário e o potencial comprador abastecidos constantemente de informações sobre o andamento do negócio, o risco de ter um furo é muito menor. E se houver, as chances são significativas de conseguir uma decisão judicial favorável”, explica ele.
É preciso pensar, ainda, na postura de compradores e proprietários que autorizam várias imobiliárias a trabalhar no mesmo imóvel. Afinal, a falta de pilares como transparência e boa-fé podem gerar consequências jurídicas e responsabilização cível.
“Proprietários com várias imobiliárias contratadas, sob o risco de terem que pagar duas vezes pelo mesmo serviço, devem se certificar sobre as visitas já ocorridas no imóvel. Não é concebível manter duas negociações em andamento, com o mesmo comprador, simplesmente para obter e melhor condição comercial/vantagem. Se provada a má-fé do proprietário e/ou do comprador, e tendo sido adequadamente realizado o trabalho pelo corretor, é indiscutível o direito ao comissionamento”, continua o especialista.
E se outro corretor consegue provar sua participação na venda?
Outro aspecto relevante é que o fato do corretor não participar da etapa de formalização do negócio, ou seja, a elaboração e assinatura de contrato, não é suficiente para afastar o direito ao comissionamento, se ficar claro que ele viabilizou o fechamento do aspecto comercial.
Em 2019, por exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve uma sentença que condenou vendedor e comprador ao pagamento de comissão. Mesmo com a comprovação de que outro corretor teria participado da conclusão do negócio.
“Nas decisões, foi muito pontuado que a ficha de visita com termo de compromisso assumido pelo comprador, ainda que seja um documento do tipo ‘adesão’, pode gerar efeitos e vincular o comprador. No caso, vendedor e comprador foram condenados solidariamente ao pagamento da comissão”, alerta Thomazi.
Neste caso, vale destacar que a imobiliária preterida se protegeu. Ela tinha todo o histórico do trabalho desenvolvido no imóvel, como por exemplo, autorização de venda, encaminhamento de propostas e contrapropostas e ficha de visita devidamente assinada, o que favoreceu a decisão benéfica a ela.
“É importante lembrar que o Código Civil fala em divisão da comissão quando há a participação efetiva de mais de um corretor. Mas também merece destaque que a má-fé do comprador pode lhe gerar responsabilização. Em especial se a imobiliária tiver documentos claros e vinculativos, estabelecendo um compromisso com as partes”, finaliza o advogado.