O atendimento a investidores vai além da mera intermediação: exige das imobiliárias forte preparo técnico, domínio jurídico sobre os vários formatos possíveis. Sem respaldo jurídico e governança, o que deveria ser uma oportunidade pode afastar um público estratégico.
Imóveis, investidores e inquilinos: o tripé do investimento imobiliário
Ouvi de Dario Jardim Júnior, no podcast Modo Avião, que um investimento imobiliário focado em renda depende do alinhamento entre três elementos: o imóvel certo, um investidor qualificado e um inquilino confiável. Quando esses três “Is” — nas palavras de Dario — estão bem equilibrados, o investimento tem grande potencial de gerar segurança, retorno e sustentabilidade.
Esse cenário ideal é raro. Frequentemente, um ou mais desses pilares estão fragilizados. Cabe à imobiliária moderna atuar como agente confiável não apenas de informações técnicas, mas também jurídicas, antecipando riscos e sugerindo soluções.
De corretor a consultor: o novo perfil exigido pelo mercado
A atuação voltada ao investidor exige da imobiliária e do corretor uma postura cada vez mais orientada à sustentabilidade do negócio, compreendendo estruturas de investimento que envolvem múltiplos agentes, investidores, empreendedores e modelos jurídicos sofisticados — ou, digamos, arrojados.
Essa posição de consultor demanda domínio de conceitos como rentabilidade estimada, análises financeiras e contábeis, compliance, governança, riscos de vacância e inadimplência, além do conhecimento de modelos de estruturas societárias e instrumentos de garantia. A ideia é apresentar ao investidor não apenas um imóvel ou uma “oportunidade”, mas um cenário estruturado para tomada de decisão, com riscos mapeados.
O investidor e suas exigências técnicas e jurídicas
O conceito de “investidor qualificado”, próprio do mercado financeiro e definido pela Comissão de Valores Mobiliários, ainda que envolva uma regulação específica, serve-nos de parâmetro para compreender o nível de exigência que corretores e imobiliárias encontrarão ao atender esse público.
Trata-se de um perfil que busca racionalidade, segurança e governança. Não se impressiona com expressões vagas ou promessas vazias de alta rentabilidade. Espera relatórios organizados, estimativas de retorno baseadas em dados reais, análises claras de riscos contratuais e exposição patrimonial. A linguagem voltada a esse público exige precisão e rigor técnico. É preciso substituir discursos genéricos como “excelente oportunidade” por informações robustas e estruturadas — sob pena de afastar um público que representa uma excelente estratégia de diferenciação.
Formatos jurídicos para estruturar investimentos
A atuação com investidores, do ponto de vista jurídico, exige conhecimento sobre formatos contratuais e societários próprios de um mercado imobiliário profissional. A SCP (Sociedade em Conta de Participação), por exemplo, é bastante utilizada quando o investidor deseja atuar sem exposição pública. Isso envolve uma série de variáveis contratuais importantes que, sem o devido entendimento por parte de quem intermedeia o negócio, tende a desvalorizar sua atuação.
Mesmo formatos mais comuns, como a SPE (Sociedade de Propósito Específico) — usual em empreendimentos de maior porte, como loteamentos e incorporações —, exigem compreensão clara por parte da imobiliária e do corretor para que possam defender com propriedade o argumento do investimento. Já o mútuo conversível é uma estrutura mais arrojada, que permite ao investidor financiar determinado projeto com a possibilidade de se tornar sócio no futuro.
São diversos os modelos — com mais ou menos risco — que integram o mercado de investimentos imobiliários. Acima de tudo, eles exigem instrumentos de acompanhamento e governança, muitas vezes imprescindíveis para um público qualificado.
Sempre gosto de citar o modelo contratual conhecido como built to suit — um formato interessante e, ao mesmo tempo, juridicamente complexo, no qual o imóvel é construído sob medida para um inquilino específico, com contrato de longo prazo. Trata-se de uma operação que invariavelmente envolve construção e locação, exigindo contratos bem estruturados e definição adequada dos modelos de garantia para conquistar a confiança do investidor.
Poderíamos citar outros modelos: o sale and leaseback, no qual a empresa vende seu imóvel e o aluga do investidor, mantendo sua operação e liberando capital; a permuta financeira, que permite ao proprietário do terreno participar do resultado da incorporação em vez de receber unidades prontas; e a construção a preço de custo ou por administração, em que os participantes financiam a obra e participam diretamente da gestão — o que demanda transparência absoluta, controle contábil rigoroso e prestação de contas.
A verdade é que, invariavelmente, a posição da imobiliária como consultora confiável exigirá um backoffice capaz de analisar a viabilidade das propostas de negócio e apresentar, em algum grau, argumentos sólidos — financeiros, técnicos e jurídicos — que sustentem a decisão de investimento.
O excesso de otimismo como risco invisível
Entre os riscos mais comuns e que merecem atenção das imobiliárias está o de cronogramas de obra que desconsideram percalços legais, subestimam riscos de atraso e utilizam planilhas de viabilidade com margens irreais ou promessas de liquidez incompatíveis com o perfil do produto.
O corretor-consultor, nesse contexto, deve atuar como agente preparado e racional. Isso significa revisar projeções, validar orçamentos e entender a real situação jurídica do terreno e do empreendedor, construindo um discurso técnico junto ao investidor. Essa postura é essencial para manter a credibilidade da operação e prevenir frustrações.
Garantias: proteção ao investimento
A estrutura jurídica do investimento imobiliário precisa conter instrumentos de garantia adequados ao valor e aos riscos envolvidos. Alienação fiduciária, seguros, fiança bancária, garantias reais e previsões contratuais que ofereçam clareza e transparência são estratégias que sustentam e viabilizam esses negócios. O objetivo é proteger o capital investido e oferecer meios de reação em caso de desalinhamento ou descumprimento das premissas acordadas.
O corretor não precisa dominar a redação desses instrumentos, mas deve conhecê-los o suficiente para identificar sua presença — ou ausência — nas operações que intermedeia. Sua função é atuar com responsabilidade e discernimento.
Gestão ativa e governança: o investimento precisa ser acompanhado
Investimentos imobiliários não terminam com a assinatura do contrato. Pelo contrário, é na fase de gestão que se confirma a qualidade do negócio. Investidores esperam relatórios periódicos, informações estruturadas sobre inadimplência e vacância, além de visibilidade sobre o desempenho da operação.
Tudo isso pode — e deve — ser previsto nos instrumentos jurídicos que operacionalizam o investimento, além de exigir que os empreendedores contem com estruturas capazes de atender a essas expectativas.
Curadoria da imobiliária: mais do que vender, é estruturar
O novo papel da imobiliária nesse nicho vai além da intermediação. Ao apresentar um investimento a um cliente — especialmente um investidor profissional ou experiente —, a imobiliária assume responsabilidade sobre a qualidade do que oferece e não pode se omitir quanto aos riscos envolvidos.
Não se trata mais apenas de mostrar um imóvel ou agendar visitas, mas de avaliar se o empreendedor tem estrutura adequada, verificar riscos jurídicos na validação inicial dos documentos — dele e do imóvel —, checar histórico de entregas e adequação às boas práticas de governança.
Nos casos em que a imobiliária negligencia essa curadoria e apresenta empreendimentos sem lastro ou estrutura, o risco de marca — e até mesmo jurídico — é real. Portanto, mais do que vender, a imobiliária precisa qualificar e profissionalizar seus atendimentos.
Atendimento ao investidor é função técnica com impacto jurídico
Apostar no atendimento a investidores não é uma simples expansão de mercado — é uma mudança de mentalidade. Atender investidores é uma função técnica, com alto impacto jurídico e reputacional. A imobiliária que compreende esse contexto e prepara sua equipe com conhecimento técnico e jurídico se posiciona em outro nível: deixa de ser uma vendedora de imóveis para se tornar uma gestora de negócios estruturados e confiáveis.
Mais do que nunca, é preciso avaliar se a oportunidade possui estrutura para avançar — técnica, jurídica e operacionalmente — antes de consumir tempo, energia e reputação em seu desenvolvimento. Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como válida a remuneração do intermediador condicionada ao cumprimento de eventos essenciais ao negócio. Isso mostra que, inclusive para proteger a própria remuneração da imobiliária, é fundamental compreender a viabilidade técnica e jurídica da operação — sob pena de se investir tempo sem retorno financeiro.
Conclusão
Trabalhar com investimentos imobiliários demanda preparo jurídico e inteligência de mercado. O corretor que se propõe a atuar nesse segmento — ao lado de uma imobiliária com backoffice robusto — assume um papel fundamental na equiparação do mercado imobiliário ao financeiro.
É na capacidade de organizar essas relações com segurança e profissionalismo que reside a verdadeira oportunidade de diferenciação.