Entenda o que pode ser feito, riscos e entendimentos jurisprudenciais
A cobrança retroativa de reajuste de aluguel é um tema que exige atenção das imobiliárias para evitar prejuízos financeiros e problemas jurídicos. A aplicação do reajuste anual está prevista na maioria dos contratos, mas, caso não seja feita no momento correto, surge a dúvida: é possível cobrar os valores retroativamente? Precisamos saber esclarecer os limites dessa cobrança, o impacto da inércia do locador/imobiliária e a necessidade de formalização adequada para evitar litígios.
- Reajuste para aluguéis futuros: pode ser feito sem problemas
Se o locador ou a imobiliária deixou de aplicar o reajuste anual no momento correto, a atualização do valor do aluguel pode ser feita a partir da identificação do erro. Basta comunicar o locatário formalmente sobre a correção do valor.
Se a imobiliária ficou mais de um ano* sem aplicar o reajuste, o novo valor pode ser corrigido acumuladamente para frente, mas sem incluir valores passados. Isso significa que o aluguel futuro pode ser atualizado, mas o locador não pode exigir o pagamento retroativo de diferenças acumuladas por longos períodos.
*Aqui existe um limbo: o que seria tempo suficiente para criar no locatário uma legítima expectativa de que aquele valor não seria cobrado?
- Cobrança retroativa: até quando é possível?
O ponto mais polêmico, portanto, está na cobrança retroativa. Se o erro for identificado dentro do mesmo ano – entendemos nós -, a cobrança das diferenças pode ser considerada válida e é bastante defensável, desde que o locatário seja notificado formalmente. No entanto, quanto maior o tempo sem reajuste, menor a chance de recuperação dos valores.
O STJ já decidiu que, em casos de longos períodos sem reajuste, não é possível cobrar diferenças retroativas, pois se entende que houve uma aceitação tácita da situação – supressio. No caso de uma ação envolvendo a Havan e um shopping center, a Justiça afastou a cobrança retroativa após cinco anos sem reajuste, determinando que o valor poderia ser corrigido apenas para os aluguéis futuros (REsp n. 1.803.278/PR).
- O princípio da supressio e a perda do direito de cobrar
O conceito jurídico da supressio pode impedir a cobrança retroativa. Esse princípio, fundamentado na boa-fé objetiva, prevê que um direito pode ser perdido se não for exercido por um longo período, criando no locatário a legítima expectativa de que não há mais obrigação de pagar valores adicionais. Assim, se a imobiliária não aplica o reajuste por anos, a Justiça pode entender que houve uma “renúncia tácita” ao direito de cobrar as diferenças. Isso reforça a importância da gestão atenta dos contratos de locação.
Sobre o instituto da supressio, abaixo alguns conceitos, infelizmente carregados de juridiquês:
“A expressão supressio indica um duplo e correlato fenômeno, derivado de um mesmo fato e fundamentado num mesmo valor, a confiança: o passar do tempo pode, em certas situações, fazer desaparecer situações jurídicas ou direitos subjetivos que não foram exercidos durante um certo lapso por seu titular, desde que o não-exercício tenha causado, à contraparte, um benefício, em razão da confiança de que aquela situação ou direito não seria mais usado. Acima escrevemos que a confiança, para além de constituir pressuposto de toda e qualquer ordem jurídica que se queira como tal, atuando como verdadeiro cimento da convivência coletiva é também uma necessidade desta mesma ordem. Por isto mesmo não é traduzida meramente em objetos ideais, abstratos, estáticos ou absolutos. Como um bem cultural que é, dotado de existência necessária à ordem jurídico-social, a confiança é dotada do caráter de realizabilidade típico dos fenômenos culturais. Isto significa dizer que, em cada Ordenamento, a confiança encontra particular e concreta eficácia jurídica como fundamento de um conjunto de regras que permitem, de um lado, a observância do pactuado e, de outro, a coibição da deslealdade, nesta hipótese possuindo eficácia limitadora do exercício de direitos subjetivos e formativos justamente para coibir a contradição desleal..” (Comentários ao novo Código Civil, vol. V, tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 314/315).
“Inicialmente, quanto à supressio (Verwirkung), significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. O seu sentido pode ser notado pela leitura do art. 330 do CC/2002, que adota o conceito, eis que “o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. Assim, caso tenha sido previsto no instrumento obrigacional o benefício da obrigação portável (cujo pagamento deve ser efetuado no domicílio do credor), e tendo o devedor o costume de pagar no seu próprio domicílio de forma reiterada, sem qualquer manifestação do credor, a obrigação passará a ser considerada quesível (aquela cujo pagamento deve ocorrer no domicílio do devedor). Ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essa supressão, surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio (Erwirkung), direito este que não existia juridicamente até então, mas que decorre da efetividade social, de acordo com os costumes. Em outras palavras, enquanto a supressio constitui a perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo; a surrectio é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes. Ambos os conceitos podem ser retirados do art. 330 do CC” (Tartuce, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 170). https://www.migalhas.com.br/depeso/375725/supressio-boa-fe-e-vedacao-nos-contratos-de-locacao
“A expressão supressio também é um importante desdobramento da boa-fé objetiva. Decorrente da expressão alemã Verwirkunguz, consiste na perda (supressão) de um direito pela falta de seu exercício por razoável lapso temporal. Trata-se de instituto distinto da prescrição, que se refere à perda da própria pretensão. Na figura da supressio, o que há é, metaforicamente, um “silêncio ensurdecedor” ou seja: um comportamento omissivo tal, para o exercício de um direito, que o movimentar-se posterior soa incompatível com as legítimas expectativas até então geradas. Assim: na tutela da confiança, um direito não exercido durante determinado período, por conta desta inatividade, perderia sua eficácia, não podendo mais ser exercitado. Nessa linha, à luz do princípio da boa-fé, o comportamento de um dos sujeitos geraria no outro a convicção de que o direito não seria mais exigido”. (GAGLIANO, P. S.; FILHO, R. P. Novo curso de direito civil, volume 4: Contratos. 2. ed. unificada [livro eletrônico]. São Paulo: Saraiva Educação, 2019 cap. III, item 6.2). https://www.migalhas.com.br/depeso/375725/supressio-boa-fe-e-vedacao-nos-contratos-de-locacao
- Como evitar problemas e garantir segurança jurídica
Para evitar litígios e prejuízos, as imobiliárias devem:
Aplicar o reajuste no momento correto – A conferência periódica dos contratos evita falhas na cobrança.
Notificar o locatário formalmente ao identificar um erro – A cobrança só pode ser feita após a comunicação oficial.
Evitar cobranças retroativas longas – Se o erro passou de um ano, por exemplo, pode não ser possível exigir os valores não cobrados.
Manter um controle rigoroso das obrigações contratuais – Um bom sistema de gestão de locação previne erros e garante que o locador não tenha prejuízos.
Imobiliárias que deixam de aplicar o reajuste corretamente podem ser responsabilizadas por falha na prestação de serviços, com risco de indenizar o locador e, PIOR, até perder a administração do imóvel por justo motivo.
Conclusão
A cobrança de reajustes de aluguel deve ser feita com atenção às regras contratuais e ao tempo decorrido. Para aluguéis futuros, a correção pode ser aplicada sem problemas. Já a cobrança retroativa pode ser contestada se o reajuste não foi aplicado por muito tempo, com base no princípio da supressio.
A melhor estratégia para imobiliárias é manter um controle eficiente dos contratos, evitando falhas na aplicação dos reajustes e garantindo segurança jurídica tanto para o locador quanto para o locatário.